Actualidade, Edição Nº 351 - Nov/Dez 2017
O quadro em que estamos, os desafios para levar o País para a frente
por Paulo Raimundo
Sem ter como objectivo desenvolver todos os traços (vale a pena revisitar as conclusões do XX Congresso do PCP) ficam três apontamentos sobre a situação actual.
Nova fase da vida política nacional, avanços e limites
O PCP e a luta dos trabalhadores e das populações constituíram os principais factores que conduziram à derrota política e social do Governo PSD/CDS, determinaram os resultados eleitorais de 4 de Outubro de 2015 e a nova correlação de forças na Assembleia da República. Vale a pena não esquecer que quando na noite eleitoral o PS dava os parabéns ao PSD/CDS, e o BE olhando para o seu umbigo festejava os votos obtidos, o PCP e os seus aliados da CDU, olhando para os resultados dessa noite, vislumbravam uma saída política para os trabalhadores e as populações.
E vale a pena também não esquecer que quando Cavaco Silva, então Presidente da República, procurava impor a todo o custo a formação de um Governo PSD/CDS foram os trabalhadores que, a 10 de Novembro, frente à Assembleia da República, deram corpo à moção de censura apresentada e dessa forma afastaram de vez o PSD/CDS e abriram caminho para a formação do Governo minoritário do PS.
Não havia, nem há ilusão sobre o PS e seus objectivos, os interesses que defende e nas mãos de quem estava e está. Apesar da situação não ser inédita, nem a primeira vez que o PCP apelava ao PS para novas soluções políticas, o facto é que os resultados eleitorais de 4 de Outubro e a conjuntura que se verificou criaram uma possibilidade de travar a formação de um Governo PSD/CDS e a sua ofensiva de intensificação da exploração e do empobrecimento. E, não menos importante, a formação de um Governo minoritário do PS, sem maioria, pressionado e condicionado pela luta dos trabalhadores e pelo PCP, o que permitiu que, pela primeira vez desde há muito, fosse possível criar as condições para, a partir do poder legislativo, dar passos no sentido da recuperação do que tinha sido roubado aos trabalhadores e ao povo.
Um Governo minoritário do PS, com o seu programa e opções de fundo mas condicionado e obrigado a ir mais longe do que era a sua vontade, a ceder em matérias para as quais nunca esteve nem estará por si só disponível, e levar por diante, ainda que de forma limitada e aquém das possibilidades e necessidades, a reposição de direitos e de rendimentos.
Mas esta realidade não ilude os problemas estruturantes do País, que persistem e se agravam e cujo chorrilho de notícias positivas sobre o País não consegue esconder. Portugal está cada vez mais dependente, com a sua soberania limitada, amarrado ao euro e às opções da União Europeia, numa situação em que praticamente não determina nada do seu desenvolvimento e rumo, colocando-se completamente nas mãos de interesses supranacionais das grandes potências e grupos económicos.
Temos assistido a uma consecutiva baixa de desemprego e a um aumento extraordinário do turismo, a uma sensação de alívio e descompressão, mas a verdade é que, para além do papel central que a recuperação e reposição de rendimentos dos trabalhadores e das populações tem tido na evolução da situação económica, todos os outros factores determinantes para a actual situação não dependem das nossas opções e, tal como aconteceu no passado, de um momento para o outro podem alterar-se. O baixo preço do petróleo, a redução das taxas de juro, entre outros, são factores que não determinamos e, mais grave ainda, é que não estamos a tomar as opções de fundo que nos protejam e defendam desta brutal dependência.
Os avanços verificados na nova fase da situação política nacional não escondem a pressão e a chantagem, o garrote da dívida, a obsessão do défice à custa dos serviços públicos, as amarras externas ao livre rumo do desenvolvimento do País. Assim como não escondem e tornam evidentes os défices estruturais nos planos produtivo, energético, tecnológico, de infraestruturas e demográfico. Assim como não escondem as altas taxas de desemprego, a brutal precariedade, a vergonhosa pobreza existente, a falta de instrumentos na mãos do Estado, em particular empresas e sectores estratégicos com destaque para a banca, a decadência das infraestruturas, a falta de meios, como ficou claro na catástrofe dos incêndios, a situação dramática de sectores fundamentais nos serviços públicos, como é exemplo a situação do serviço nacional de saúde, o favorecimento e protecção dos grandes grupos económicos, a especulação financeira e os escândalos das negociatas da banca.
Não escondem as opções de fundo do Governo minoritário do PS, sempre secundadas pelo PSD e CDS, de não mexer por sua vontade nas normas mais gravosas do código de trabalho e pela defesa da contratação colectiva; a sua «neutralidade» perante a brutal ofensiva ao horário de trabalho ou os seus posicionamentos face aos salários e em particular ao salário mínimo nacional (ao qual se juntam PSD, CDS e BE) com o objectivo de o limitar e condicionar a mais e mais contrapartidas ao patronato.
Sem ilusão sobre as opções de fundo do PS e as amarras a que se submete, sabendo que nas questões fundamentais PS e PSD/CDS (independentemente dos protagonistas que se seguem) estão em sintonia, sem esperar nada de significativo dos que usam o verbalismo como arma, mas com a certeza de que o Governo minoritário do PS não tem as mãos completamente livres para fazer o que entende, o PCP, que não define a sua acção a partir de resultados ou cálculos eleitorais, tudo fará enquanto for possível para que se reponham, defendam e recuperem direitos e rendimentos e, dessa forma, melhorar as condições de vida dos trabalhadores e das populações. Uma intervenção que não limita, pelo contrário, identifica com clareza os problemas estruturais do País e constrói, com a luta dos trabalhadores e das populações, a alternativa necessária e cada vez mais urgente.
O factor decisivo para o avanço
A actual fase da vida política nacional revela, por um lado, a possibilidade real, ainda que de forma limitada e por pressão do PCP e da luta dos trabalhadores, da reposição de rendimentos e direitos e do seu papel estruturante no crescimento económico. E, por outro lado, torna evidente os limites da actual situação, em grande medida pelas opções do PS, e que desde o seu início foram identificados pelo PCP.
Aqui chegados, o caminho a trilhar pelos trabalhadores e as populações não é o de serem condicionados pela pressão e chantagem, nem o de serem confrontados com as alternâncias que lhes são impingidas, nem muito menos permitirem, seja pela mão de quem for, que a política de submissão, exploração e empobrecimento se mantenha e intensifique.
O caminho a trilhar pelos trabalhadores e populações terá de ser o da continuação da luta a partir de objectivos concretos, nas empresas, locais de trabalho e localidades e, dessa forma, impor não a continuação da limitada situação actual, mas sim a ruptura política, a única capaz de responder aos anseios e direitos dos trabalhadores e ao serviço do País.
É necessário que amplas massas tenham a noção do papel determinante do PCP nos avanços verificados e acima de tudo que assumam nas suas próprias mãos a construção da alternativa patriótica e de esquerda, a soberania e independência nacionais e o direito inalienável do poder de decisão sobre as opções e orientações a levar por diante, enfrentando todos e quaisquer constrangimentos e imposições externas.
É necessário, sem hesitação, derrotar a política ao serviço dos interesses do grande capital, porque os interesses destes não se compadecem com uma política de valorização dos direitos e rendimentos dos trabalhadores e do povo, a elevação das suas condições de vida e a promoção da justiça e do progresso social.
É necessário o alargamento da organização, a unidade e a luta dos trabalhadores e das camadas antimonopolistas e a constituição de uma ampla frente social. E, não menos decisivo, é necessário que os trabalhadores, as populações e amplas camadas dêem mais força ao seu Partido – o PCP.
Constitui tarefa política do PCP e dos trabalhadores a luta pela libertação do País da submissão ao Euro e das imposições e constrangimentos da União Europeia; a renegociação da dívida pública; a valorização do trabalho e dos trabalhadores; a defesa e promoção da produção nacional e dos sectores produtivos; a garantia do controlo público da banca e a recuperação para o sector público dos sectores básicos estratégicos da economia; a garantia de uma administração e serviços públicos ao serviço do povo e do País; a defesa de uma política de justiça fiscal que alivie a carga fiscal sobre os rendimentos dos trabalhadores e do povo e que combata os paraísos fiscais; a defesa do regime democrático e do cumprimento da Constituição da República Portuguesa.
Tarefas a desenvolver que terão do inimigo de classe a resposta e a utilização de todos os recursos ao seu dispor.
Uma ampla maioria que ocupa o espaço público ao serviço de uma imensa minoria
O PSD vai mudar de líder, matéria que só aos militantes do PSD diz respeito mas da qual decorre uma questão que já vimos no passado, que é o chamado «conta quilómetros a zero». Muda o líder, o Partido A ou B fica reabilitado e o que está para trás para trás fica. É natural que um partido como o PSD (tal como o CDS, o PS e mesmo o BE) queira passar uma esponja nas suas opções, posições e responsabilidades políticas anteriores, o que não é natural é todo o esforço feito pelas direcções dos principais órgãos de comunicação social e centenas de comentadores e comentaristas para cumprir tal objectivo. Não seria normal caso esses actores fossem instrumentos ao serviço da verdade, sem preconceito e livres de interesses económicos, mas assistimos a um poderoso e escandaloso instrumento aos serviço dos grandes interesses, que aparentando diferenças entre si têm algo em comum – o ataque, a deturpação, a mentira e a falsificação, e que, tendo o PCP na mira, visam sobretudo minimizar a luta dos trabalhadores pelos seus direitos e justas aspirações.
Veja-se a forma como são tratadas publicamente as lutas dos trabalhadores. Muitas delas (a grande parte) são completamente ignoradas e outras são catalogadas como boas e más em função dos seus objectivos e protagonistas. Opção muito clara na recente luta dos trabalhadores da Autoeuropa, com as relações laborais sempre apresentadas como exemplo a seguir por todos (deportando a realidade vivida) e os posicionamentos da Comissão de Trabalhadores (composição maioritária de membros do BE) tidos como exemplo e referência. Bastou que os trabalhadores, por uma esmagadora maioria, tivessem de forma inequívoca recusado uma proposta inadmissível de alteração ao horário de trabalho para que se desenvolvesse uma campanha feroz contra esses mesmos trabalhadores, acusando-os de se terem tornado em perigosos comunistas.
Ou olhemos para as recentes eleições autárquicas e as análises aos seus resultados.
Os mesmos que se concentram em avaliações, deturpações e a denegrir o PCP e a CDU, recorrendo a argumentos tão velhos como os utilizados pelos seus avós, serão os mesmos que engrossarão o coro do combate contra o aumento do salário mínimo nacional e o aumento geral de salários, que virão justificar a não taxação dos lucros do capital, os que encontrarão todos os argumentos para a defesa incondicional do euro e das opções da União Europeia, os mesmos que todos os dias potenciam ou alinham com a hipocrisia no plano internacional e a brutal campanha em curso contra a Paz, contra os direitos, a resistência e a luta dos povos.
Nesta imensa maioria que ocupa o espaço público ao serviço de imensa minoria dos interesses situam-se aqueles com a consciência clara de defesa dos seus interesses e os que cumprem a agenda da social-democracia ao serviço dos interesses instalados, completamente nas mãos do sistema que juram a pés juntos combater.
Quer uns quer outros, independentemente da roupagem e do verbalismo, protagonizam a defesa de interesses contrários aos dos trabalhadores e das populações. A verdade, a coerência, a firmeza política e o combate ideológico com os instrumentos ao serviços dos trabalhadores e do seu Partido, constituem os instrumentos que mais cedo ou mais tarde derrotarão a brutal ofensiva ideológica em curso.
O quadro político e económico nacional é muito exigente; a batalha ideológica trava-se em brutal desproporção de meios; a situação internacional é marcada pela crise estrutural do capitalismo, pelos perigos da guerra, aumento da militarização, exploração, pobreza, e hipocrisia política e pela criminalização de todos os que ousem opor-se à caminhada do imperialismo. É neste quadro, e não noutro, que os trabalhadores e as populações terão, com a sua luta, de levar o País para a frente. Contam para tarefa imensa, tal como contaram sempre, com o PCP.