Organização, Edição Nº 364 - Jan/Fev 2020
Um partido diferente de todos os outros
por Paulo Raimundo
Constituindo organizações que disputam o poder, os partidos políticos defendem interesses diferenciados e, em certos casos, mesmo antagónicos.
A ideologia que preconizam, os objectivos que assumem e a sua composição social determinam a sua natureza de classe, os interesses que defendem, a quem se subordinam e por que tipo de organização social agem.
Se é verdade que a burguesia em determinados momentos apresenta conflitos entre si, e que os interesses da grande burguesia em última instância acabam sempre por esmagar a pequena burguesia (o que em certas circunstâncias a fazem convergir com a classe operária e o conjunto dos trabalhadores), não é menos verdade que, e independentemente desses momentâneos conflitos, a grande burguesia aposta tudo na manutenção de um sistema que lhe permite manter o seu domínio social, politico, ideológico e acima de tudo económico, alimentando a esperança à pequena burguesia de um dia lá também poder chegar, ao mesmo tempo que explora a imensa maioria que nada mais detém senão a sua força de trabalho.
Partidos que se apresentam, definem ou se auto-denominam de interclassitas que organizações que, podendo defender este ou aquele interesse particular desta ou daquela camada específica, mais não são do que instrumentos de manutenção de um sistema nas mãos da burguesia e que assenta na exploração pela minoria da maioria daqueles que compõem a sociedade.
Ou seja, instrumentos da burguesia que disputam os interesses diferenciados da burguesia mas cujo objectivo, independentemente da forma que em cada momento possa apresentar este ou aquele projecto politico, é exactamente o mesmo.
O próprio sistema tem necessidade de criar sujeitos, organizações ou partidos que em cada momento correspondam a determinados objectivos concretos ou, não menos decisivo, se constituam em válvulas de escape do próprio sistema. Expressões políticas essas, muitas vezes apresentadas como anti-sistema mas que por ele foram criadas, dele são instrumentos e dele dependem para a sua manutenção e sobrevivência, motivo pelo qual nunca os actos corresponderão ao palavroso discurso. Não é apenas uma questão de coragem ou falta dela, é acima de tudo uma opção ideológica correspondente à sua própria natureza de classe e aos interesses que defende.
Há assim um sem número de partidos da burguesia e ao seu serviço e há o partido da, e ao serviço da classe operária e de todos os trabalhadores. O Partido Comunista Português, o partido que não ilude, o partido da verdade e que diz ao que vem, o partido que luta para que a classe operária e os trabalhadores cheguem ao poder, o assumam e determinem a forma de organização social em função dos seus interesses e anseios.
Assim é desde 1921, ano da sua fundação, um partido que não se forma a partir de cisões mas é construído a partir das fábricas, de um certo voluntarismo e da vontade revolucionária, que encontra na Revolução Russa de Outubro de 1917 a sua inspiração.
O partido que traçou e traça o objectivo da construção da sociedade liberta da exploração do Homem pelo Homem, objectivo esse que o guiou na concretização de objectivos intermédios, alargando dessa forma a capacidade de luta e envolvimento de amplos sectores nessa mesma luta. Assim foi na luta contra o fascismo, assim foi na Revolução de Abril e na concretização das suas conquistas, assim foi e é na luta de resistência à ofensiva contra-revolucionária que enfrentamos. Assim será pela concretização da política patriótica e de esquerda componente, que tendo os valores de Abril como elementos centrais, da construção da democracia avançada no nosso país, elemento constitutivo da sociedade socialista pela qual lutamos.
Um partido de classe e ao serviço da classe em que se enraíza. Também no PCP, a ideologia, os objectivos, a composição social e a forma de organização e trabalho de massas determinam a sua natureza de classe.
O marxismo-leninismo é a ideologia que em permanente enriquecimento com as experiências da luta revela a sociedade de classes, demonstra cientificamente a forma como se exerce a exploração, define o papel da classe explorada e sublinha a necessidade e as tarefas do seu Partido. É a ideologia da classe operária e de todos os trabalhadores a ideologia do seu Partido. A base teórica que permite compreender e transformar o mundo com vista à libertação da exploração, logo ao Partido da classe operária e de todos os trabalhadores só pode ter como base teórica, sem hesitações, o marxismo-leninismo, teoria não dogmática que todos os dias se desenvolve mas simultaneamente incompatível com adaptações, aproximações ou mesmo tentativas de separação entre a ideia e a forma da sua concretização. Não é possível querer transformar o mundo sem a organização dos explorados em torno do seu Partido, da mesma forma que sem objectivos estratégicos definidos o Partido da classe operária cairia rapidamente nas mãos do sistema que os oprime.
A aspiração dos trabalhadores é libertar-se da exploração de que é alvo, libertação só possível com a construção de uma sociedade cuja organização e objectivos correspondam aos interesses da maioria, o que implica a superação da sociedade que os oprime, a tomada dos meios de produção e a construção da sociedade organizada em função dos interesses da maioria. Uma luta difícil e exigente contra um inimigo poderoso e com recursos gigantescos, uma batalha que exige a definição em cada momento de etapas que visem, por um lado, arrancar ao poder a satisfação de sentidas reivindicações imediatas e, por outro lado, crie as condições para o alargamento da luta a camadas e sectores cujos objectivos imediatos estejam objectivamente em conflito com o sistema capitalista. Uma batalha que se trava todos os dias, muitas vezes em torno de pequenos, mas importantíssimos, direitos económicos e sociais e que procura retirar ao capital e passar para o trabalho o mais possível. Um caminho árduo com recuos e avanços mas que em nenhum momento pode perder o objectivo estratégico do Partido, a libertação da exploração da classe que defende.
Os que reduzem os seus objectivos estratégicos às tentativas de minimizar a exploração capitalista são, por opção própria, instrumentos de ilusão do sistema que em palavras afirmam combater.
Existem pelo menos duas formas de um partido se afirmar como sendo da classe operária e de todos os trabalhadores, pela via verbalista ou pelos factos.
A via verbalista é aquela que também é conhecida como sendo o «falar de cor», ou seja, «falar em nome de», ou «solidários com», mas longe do concreto, do sentimento, das aspirações e dos reais problemas, aspectos que só são possíveis incorporar pelos próprios. Este elemento leva-nos à afirmação do Partido da classe operária e de todos os trabalhadores pelos factos, ou seja porque são esses mesmos operários e trabalhadores que na sua maioria compõem, dão corpo e dirigem o seu Partido. É condição para que cumpra o seu objectivo, para que mantenha a sua base teórica e garanta que a sua organização e intervenção se subordinam a esse mesmo objectivo, que a maioria dos seus militantes e dirigentes sejam trabalhadores e operários. Este elemento estruturante da natureza de classe do Partido não significa que todos os que abraçam a causa da luta contra a exploração, independentemente da sua origem social, não possam e não devam engrossar as fileiras e assumirem um papel determinante na vida do Partido que dá corpo a essa luta, pelo contrários, todos são bem vindos e necessários.
A estrutura orgânica do Partido revolucionário subordina-se sempre aos seus objectivos políticos e sendo o objectivo estratégico acabar com a exploração a organização fundamental do Partido tem de ser onde todos os dias se expressa a exploração e se travam as mais duras lutas de classe, nas empresas e locais de trabalho. Face à complexidade da situação e à poderosa ofensiva ideológica o Partido não pode deixar de procurar intervir sobre o conjunto de matérias e problemas muito diversos que afectam o conjunto das populações, até porque também aí se expressam opções de classe, e mesmo que sejam problemas ou questões aparentemente transversais à sociedade as consequências expressam-se de forma diferente em função da condição social. Por exemplo, a especulação imobiliária cria mais dificuldades de acesso à habitação às camadas mais desfavorecidas do que às mais favorecidas e no sentido inverso coloca-se, por exemplo, a redução dos preços dos transportes.
Mas o que decisivamente marca a divisão de classes e onde todos os dias se travam conflitos de interesses antagónicos é na realidade das empresas e locais de trabalho.
É aí que se travam as duras lutas económicas com o patronato a procurar aumentar a exploração e a massa assalariada a lutar pela redução do tempo de trabalho ou melhores salários, é aí que, com a organização, a mobilização e a luta, os trabalhadores reconhecem a sua condição e a força da sua unidade, é aí que se forma a consciência de classe e se eleva a consciência política. É nas empresas e locais de trabalho que se encontra a fonte principal de recrutamento do Partido da classe operária e de todos os trabalhadores. A organização dos trabalhadores, a criação e funcionamento de células de empresa e por local de trabalho constituem o elemento fundamental da actividade partidária. A realidade demonstra todos os dias as dificuldades de construção da organização de base essencial que é a célula de empresa. Um trabalho de construção permanente, muitas das vezes com mais recuos do que avanços, uma tarefa desenvolvida sob a chantagem e a pressão exercida aos trabalhadores por parte do patronato. As dificuldades são muitas, mas um Partido que tem os objectivos que tem, que assume a sua natureza de classe e de defesa dos interesses da classe, só poderá encontrar dificuldades na sua luta. A alternativa a esta forma de organização prioritária, com, eventualmente, os esforços concentrados exclusivamente nas organizações locais e deixar às organizações unitárias a luta nas empresas, levaria a que mais cedo ou mais tarde o Partido enfraquecesse a sua natureza e identidade e perdesse as condições para cumprir com o seu objectivo estratégico, a razão da sua existência e o papel insubstituível que assume.
Sem deixar de dar atenção à organização e intervenção ao conjunto de sectores e camadas sociais antimonopolistas, também elas alvo da exploração, logo aliadas da luta contra um sistema que as oprime, é na mobilização dos trabalhadores para a luta a partir dos seus problemas concretos que o Partido concentra a sua intervenção e acção prioritárias. São estes a maioria dos explorados e os mais explorados, e é sobre eles que recaem diariamente as mais dolorosas consequências de opções políticas de classe. A organização, a unidade e a luta dos trabalhadores constituem garantias seguras para a elevação da consciência social e política e são o elemento que, pela sua persistência e capacidade de resistência, dá ânimo e confiança a outros sectores e camadas sociais.
Pela ideologia que preconiza, pelos objectivos assumidos, pela sua composição social, pela estrutura orgânica que apresenta, pelo estilo de trabalho e prioridade da sua intervenção, o Partido é o partido da classe operária e de todos os trabalhadores, o Partido cujos interesses que defende são profundamente antagónicos aos interesses defendidos pelos outros partidos.
A natureza de classe do Partido pela forma como se revela e afirma exige um trabalho e preocupação constantes e diárias. Tratar bem do Partido é tratar bem a organização e a luta dos trabalhadores. Reforçar o Partido é dar mais força aos trabalhadores e quanto mais força organizada os trabalhadores tiverem mais forte será o seu Partido.
As diversas linhas de trabalho aprovadas e em curso para o reforço do Partido constituem elementos de extraordinária importância para o presente e para o futuro. As matérias que visam o reforço da organização nas empresas e locais de trabalho, a elevação do trabalho organizado junto dos trabalhadores, a concretização dos 5000 contactos com trabalhadores, o destacar quadros para estas tarefas, entre outras, são elementos que determinam a natureza de classe do Partido.