Efeméride, Edição Nº 377 - Mar/Abr 2022
A «Crise Académica de 1962» - O fascismo. Os estudantes comunistas e o movimento estudantil
por Albano Nunes
A «crise académica de 1962» constituiu uma das expressões mais massivas da resistência estudantil à ditadura fascista tendo sido a primeira das grandes lutas dos estudantes que varreram a Europa na década de sessenta, facto compreensível perante o amadurecimento da crise revolucionária, e a actuação nas Universidades e Liceus, de uma influente organização do Partido Comunista Português, capaz de estabelecer uma ligação consequente entre as reivindicações estudantis e as aspirações libertadoras do povo português.
O fascismo foi uma realidade cuja violência brutal se abateu sobretudo sobre a classe operária e as camadas populares. Mas que não poupou a própria Universidade, elitista, onde apenas lograva aceder uma ínfima percentagem de filhos de trabalhadores assalariados e mesmo da pequena burguesia. E, não sendo os únicos, os estudantes comunistas foram sem dúvida, porque eram os resistentes mais corajosos e melhor organizados, o alvo permanente e principal da perseguição e repressão policial.
Sessenta anos depois, quando se desenvolvem perigosas campanhas de branqueamento do fascismo e forças abertamente de extrema-direita são toleradas e animadas, mais necessário se torna não esquecer as grandes batalhas que, como a «crise académica de 1962», ilustram bem a natureza do regime que durante meio século oprimiu o povo português e os povos das antigas colónias portuguesas. E mais necessário ainda, quando não só se procura diminuir o papel dos comunistas na resistência geral ao fascismo como surge mesmo quem, tendo rompido com valores e ideais, invoque a sua participação no movimento estudantil antifascista e nomeadamente na «crise académica de 1962» (muitas vezes na condição de membro do Partido) para fins de promoção pessoal e, pior ainda, para dar cobertura de «esquerda» a políticas que têm afinal o mesmo sinal de classe (os interesses do grande capital) daquelas que então combateram.
A causa próxima da «crise académica» reside na proibição do «Dia do Estudante» em Lisboa, iniciativa das Associações de Estudantes que, de modo irregular, se vinha realizando desde 1951 sem problemas de maior mas que, com o fortalecimento do movimento estudantil e no contexto social e político à altura existente, iria inevitavelmente adquirir na sua edição de 1962 uma maior dimensão de massas e uma projecção consideradas perigosas pelo governo fascista. Entretanto a proibição e a violenta repressão que se lhe seguiu conduziu ao resultado inverso do pretendido.
Não se trata aqui de descrever os acontecimentos ou traçar uma cronologia da «crise», mas tão só de destacar alguns traços marcantes e situá-la no contexto mais vasto da luta da classe operária e do povo português, e também, ainda que de passagem, no quadro internacional de avanço revolucionário da década de sessenta. Se, muito justamente, o 24 de Março se tornou em Portugal no «Dia do Estudante» é porque foi precisamente nesse dia de 1962 que, com a ocupação da cidade Universitária de Lisboa pelas forças policiais e a violenta carga da polícia de choque sobre os milhares de estudantes, que desfilavam no Campo Grande, se abriu um prolongado período de dura confrontação entre os estudantes e o Governo que, durante vários meses, se estendeu a quase toda a Universidade, sacudiu o país, abalou o regime. Um confronto marcado pelo audacioso desencadear da greve às aulas na maioria das Faculdades – o «Luto Académico» lançado pela RIA em 26 de Março com a criativa palavra de ordem «ofenderam-te, enluta-te!» – com a ocupação de instalações, gigantescos plenários e concentrações, desfiles e manifestações dentro e fora dos recintos universitários, envolvendo sobretudo as Universidades de Lisboa e Coimbra, onde o Movimento Associativo estava mais organizado e havia maiores tradições de luta, mas também o Porto.
Um confronto que se desenrolou no quadro de uma repressão violentíssima, com cerco, invasão policial e encerramento de instalações associativas e académicas (o mais significativo foi o encerramento da Associação Académica de Coimbra, que se manteve até às vésperas da eclosão da grande crise coimbrã de 1969), perseguição de dirigentes e activistas, prisões em massa, violentas cargas da polícia de choque, expulsões de centenas de estudantes em Lisboa e Coimbra.
Confronto que conheceu corajosas e espectaculares formas de luta, de que são exemplo a ocupação das instalações da Associação Académica de Coimbra decidida na Assembleia Magna de 9 de Maio e, muito especialmente, a ocupação da cantina da Cidade Universitária de Lisboa por mais de mil estudantes em apoio e defesa dos 80 activistas em greve da fome no local, a que foi posto termo violento em 10 de Maio com a prisão em massa no quartel da Parede (os rapazes) e no Governo Civil de Lisboa (as raparigas).
Confronto que envolveu uma gigantesca campanha de desinformação (em que os diários fascistas «A Voz» e o «Diário da Manhã» atingiram o delírio anticomunista), mas que colocou do lado dos estudantes e das suas justas reivindicações grande número de professores e assistentes e a solidariedade das populações.
Confronto em que milhares e milhares de estudantes sentiram na própria carne a natureza da violência e do obscurantismo fascista, despertaram para uma empenhada luta pela democracia e o progresso social, muitos dos quais prescindindo deliberadamente de uma promissora carreira profissional, e arriscando a liberdade e a própria vida.
Tal como as lutas do MUD Juvenil, também as lutas estudantis do início dos anos sessenta, embora certamente em menor dimensão, foram uma grande escola de formação de antifascistas e de revolucionários.
Da «crise académica de 62» e das lutas que imediatamente a precederam, ou se lhe seguiram, há certamente dirigentes e activistas, comunistas e não comunistas, que foram protagonistas destacados, com méritos individuais próprios. Mas méritos que, se não é lícito apagar, seria inapropriado exagerar até porque, como sempre sucede com o «apelo da floresta», não poucos mudaram entretanto de campo e negam hoje valores que então os colocaram nas primeiras linhas da luta. Mas se fosse necessário destacar simbolicamente alguém, ele seria o camarada José Bernardino, estudante no IST, Secretário-Geral das Reuniões Inter-Associações em 60/61, funcionário do PCP na clandestinidade e responsável pela organização e contacto com os estudantes comunistas até à sua prisão pela PIDE em Maio de 62 em ligação com as grandes jornadas do 1.º de Maio.
*
A história do Movimento Estudantil português (M.E.), sendo inseparável da História do povo português, tem a sua própria História, o seu património próprio, a sua própria «memória».
Sucessivas gerações de estudantes apoiaram-se em anteriores experiências para o desenvolvimento da sua luta. Isto foi particularmente nítido durante o fascismo. Refira-se, por exemplo, a luta pelo direito de associação, pela autonomia da Universidade, pela representação estudantil nos órgãos da Universidade, pela democratização do ensino, pela criação de estruturas nacionais do Movimento Associativo. E ver a história da celebração da «Tomada da Bastilha» em Coimbra (assinalando a ocupação pelos estudantes do Clube dos Lentes em 1920), ou as vicissitudes da luta pelas Associações de Estudantes (AA.EE.), sem esquecer os Comités de Defesa Académica dos anos trinta animados pelo Partido, ou a luta pela representação estudantil nos órgãos universitários, em que é oportuno recordar a eleição do camarada Álvaro Cunhal para o Senado da Universidade de Lisboa em 1934. A própria Revolução do 25 de Abril no que respeita ao Movimento Associativo (M.A.) não representou um corte com formas de organização e objectivos que vinham de trás, embora naturalmente significasse um salto qualitativo.
É importante lembrar que o Movimento Estudantil não se reduz ao Movimento Associativo nem as formas de organização dos estudantes às Associações de Estudantes.
As grandes lutas estudantis, com mais ampla base de massas e maior significado político, tiveram como suporte organizativo fundamental as Associações e as Comissões Pró-Associações de Estudantes.
Mas a própria luta no plano do M.A. e o seu carácter amplamente unitário e de massas não seriam possíveis sem a existência de formas de organização política semi-legais, ilegais e clandestinas, a começar naturalmente pelo PCP e outras organizações que, como o MUD Juvenil, contribuíram decisivamente para relançar o amplo movimento associativo dos anos cinquenta. E foi esse relançamento das AA.EE. que veio a desembocar na grande luta de 1957 contra o célebre decreto 40 900 (um decreto que visava espartilhar e esvaziar do seu conteúdo as AA.EE. e uma luta que obrigou a chamada Assembleia Nacional, pela primeira vez, a não aprovar um decreto do Governo fascista) e, mais tarde, nas grandes lutas de 1962 ou de 1969.
Por outro lado, a luta estudantil nunca se circunscreveu ao M.A., sendo de destacar: a intensa actividade de estudantes nas Colectividades de Cultura e Recreio; a luta contra a repressão e pela liberdade e amnistia dos presos políticos; a intervenção nas batalhas eleitorais, como em 58, 61 ou 73; a luta contra a guerra colonial e de solidariedade com os povos em luta (como Cuba, Argélia, Vietname, cujo exemplo de heroísmo muito estimulou e «incendiou» a vanguarda estudantil); a participação dos estudantes em grandes jornadas da luta democrática e popular como o 5 de Outubro, o 31 de Janeiro, o 8 de Março e, sobretudo, o 1.º de Maio de 1962.
O Movimento Estudantil afirmou-se ao longo da noite fascista como uma importantíssima componente do movimento popular e democrático.
O fascismo perdeu a batalha da fascização das Universidades. Nunca conseguiu que a Mocidade Portuguesa (fundada em 1936 no quadro da consolidação fascista do regime instaurado com o golpe militar de 28 de Maio de 1926) e outras organizações de extrema- direita (como o «Jovem Portugal») tivessem qualquer influência significativa entre os estudantes. Mesmo estruturas e serviços que foi forçado a criar (como o CDUL, Cantinas, Serviços Sociais) tendo como objectivo seduzir os estudantes e alimentar o elitismo, escaparam-lhe rapidamente das mãos, ou tornaram-se terreno de luta reivindicativa. O caso da Casa dos Estudantes do Império é o exemplo de uma instituição concebida para formar uma elite africana afecta ao regime e que se transformou num alfobre de lutadores pela independência das antigas colónias portuguesas. As AA.EE. foram encerradas por longos períodos, impostas Comissões Administrativas, os seus dirigentes mais destacados expulsos das universidades e presos, mas nunca foram liquidadas nem mesmo dominadas. Trata-se de uma extraordinária conquista dos estudantes e do movimento antifascista.
Outro aspecto é a contribuição importante do M.E. para a luta geral do povo português.
As grandes lutas estudantis de 62 contribuíram fortemente para a viragem no panorama político português, no sentido de enraizar nas massas a tese fundamental do PCP de que a luta popular de massas era o caminho para pôr fim ao fascismo e conquistar a liberdade.
Mais adiante as grandes lutas de 1969 em Coimbra – juntamente com as greves operárias de Janeiro/Fevereiro desse ano – tiveram também um grande papel no desmascaramento da «demagogia liberalizante» do Governo de Marcelo Caetano (e na derrota das ilusões e concepções oportunistas correspondentes sopradas pela burguesia liberal) desvendando a sua verdadeira face.
O próprio MFA, assim como o desenvolvimento da luta contra as guerras coloniais, é inseparável da politização de numerosos oficiais milicianos saídos das lutas estudantis.
A combatividade e envergadura de massas do M.E. só pode compreender-se colocando-o no seu contexto sócio-político.
As grandes lutas de 1962, as mais importantes lutas estudantis sob o fascismo, são inseparáveis do clima geral de ascenso da luta popular e democrática; das manifestações populares de protesto contra a farsa eleitoral de Novembro de 1961, que tiveram lugar em Almada, Covilhã, Alpiarça e muitas outras localidades; das lutas dos assalariados agrícolas do Alentejo e Ribatejo, que levaram à conquista histórica das 8 horas nos campos do Sul; das grandes manifestações do 31 de Janeiro e 8 de Março no Porto e, sobretudo, do 1.º de Maio de Lisboa, em que participaram cerca de 100 000 manifestantes, e que marca uma viragem no sentido da afirmação da classe operária como força social determinante da luta antifascista, e o Dia do Trabalhador como principal data aglutinadora da luta democrática; do desencadeamento da luta armada em Angola contra o colonialismo português e do início da guerra colonial; de acções que, como o golpe de Beja ou o assalto ao «Santa Maria», para além do seu carácter radical pequeno-burguês, marcam o fim das ilusões pacifistas e reforçam a ideia de que a força das armas é indispensável para pôr fim à ditadura, fazendo jus à linha do levantamento nacional preconizada pelo PCP desde o seu IV Congresso, em 1946. De sublinhar ainda o estímulo provocado pelas fugas de Caxias e sobretudo de Peniche, que tiveram um extraordinário eco nas Escolas, pelo início das emissões da Rádio Portugal Livre (RPL) e depois da Rádio Voz da Liberdade e pela própria criação da Frente Patriótica de Libertação Nacional (F.P.L.N.) e as Juntas de Acção Patriótica (JAPs) que tinham expressão entre os estudantes. A tudo isto há que acrescentar a influência de importantes factores externos onde o ascenso do movimento nacional-libertador e a desagregação dos impérios coloniais, as revoluções cubana e argelina, os notórios avanços da URSS e dos países socialistas, particularmente espectaculares no domínio da conquista do Espaço, atraem para as ideias progressistas e para a luta camadas cada vez mais amplas da juventude estudantil.
Um traço importante da luta reside na politização acelerada do Movimento Estudantil e das AA.EE. (estatutariamente definidas como «apolíticas») e a crescente identificação dos estudantes com os objectivos gerais da luta dos trabalhadores e do povo português.
Esta politização, em luta permanente contra o corporativismo, o assistencialismo e o folclore a que o fascismo pretendia reduzir as AA.EE., desenvolveu-se tendo como eixo as liberdades democráticas fundamentais e, em primeiro lugar, as liberdades de associação, de reunião, e mesmo de expressão, centradas essencialmente em torno das AA.EE. Nas condições do fascismo tratava-se só por si de uma batalha de forte conteúdo político, porque dirigida à conquista da liberdade. Mas não se limitou a isso.
A contestação do carácter elitista, de classe, da Escola e do conteúdo do ensino deu um grande salto com a «crise» de 62. Passa para o primeiro plano a reivindicação da democratização do acesso ao ensino (em 1959 só 2,9% dos estudantes universitários eram filhos de trabalhadores) e o acento nas «Secções Sociais» das AA.EE. O lema do Dia de Estudante de 1963 (proibido e que não houve força para realizar) foi «Uma Universidade para a Nação». A resposta às manobras «reformistas» de Veiga Simão que, a par de esquemas repressivos sofisticados, visavam adaptar melhor o ensino às necessidades dos monopólios foi a reivindicação de uma Reforma que a UEC veio a definir como «Reforma Geral e Democrática do Ensino».
Na linha das grandes acções promovidas pelo MUD Juvenil contra a NATO e contra a guerra (que em 1952 levou à expulsão de 15 estudantes da ESBAL, na sequência de acções em que o camarada José Dias Coelho teve papel destacado), a luta contra as guerras coloniais e as acções de solidariedade com os movimentos de libertação das antigas colónias portuguesas (encerramento da Casa de Estudantes do Império, etc.), e em geral com as forças anti-imperialistas (nomeadamente Vietname), exprimem o reforço da componente anti-colonialista e anti-imperialista no Movimento Estudantil que iria em crescendo até à Revolução de Abril.
Um traço mais a sublinhar: a crescente consciência de que a luta estudantil é parte integrante da luta geral do povo português e que mesmo a satisfação das suas reivindicações imediatas é inseparável do apoio popular. O fascismo queria confinar os estudantes aos recintos escolares, ao mesmo tempo que caluniava a sua luta junto do povo. Os estudantes multiplicam as manifestações de rua e os comunicados informando a população.
Escusado será dizer que a repressão nestes casos foi ainda mais violenta. A saída dos estudantes à rua era inevitavelmente acompanhada de cargas policiais e prisões.
Esta ânsia de ligação ao povo teve variadas expressões no plano cultural, na intervenção nas colectividades populares, na canção de intervenção. A generosidade demonstrada pelos estudantes nas inundações de 1967 na região de Lisboa, em contraste flagrante com a incúria do governo fascista, exprime bem esta realidade. É do amor ao povo que veio a inspiração da canção tornada arma de luta de que o camarada Adriano Correia de Oliveira, estudante de Coimbra, foi intérprete particularmente inspirado.
Os meios estudantis sempre foram vulneráveis a modas contestatárias, pseudo-revolucionárias e anti-marxistas. Ao longo do tempo, sobretudo com a aproximação da Revolução de Abril e em ligação com a violentíssima repressão das organizações dos estudantes comunistas, floresceram em muitas escolas de Lisboa ruidosos grupos e grupinhos do O Radicalismo Pequeno-Burguês de Fachada Socialista que parasitavam o movimento associativo e se apresentavam, quase sem excepção, como «professores da revolução» enquanto acusavam o PCP de a não querer.
Mas ao contrário do que, para diminuir o papel do PCP, muitos hoje pretendem fazer crer, a força adquirida pelo Movimento Estudantil português nada tem a ver com teorizações verbalistas especulativas e palavras de ordem radicais pequeno-burguesas, antes assentou fundamentalmente na sua capacidade para:
– definir objectivos concretos e imediatos de luta: defesa das AA.EE, questões pedagógicas, iniciativas de convívio, participação na gestão de serviços, como cantinas, contra prisões e expulsões, etc.;
– métodos democráticos: eleição de dirigentes, assembleias e Reuniões Gerais (as conhecidas RGAs e as grandes «Magnas» de Coimbra), plenários, grande esforço de informação das massas estudantis;
– criatividade e maleabilidade táctica, combinando métodos de organização e de luta legais, semi-legais e ilegais, articulando negociações com o Governo e «autoridades académicas» com mobilização estudantil, atraindo professores para o seu lado;
– combinar a acção em cada Escola (e cursos) com a acção a nível de Academia e Nacional. Neste aspecto a CIAE (Comissão Inter-Associações criada em 1949) e depois a RIA (Reuniões Inter-Associações criada em 1954), os Encontros Nacionais de Estudantes, os encontros das Secções Culturais, Sociais e outras, a realização de iniciativas de Convívio inter-academias, desempenharam um papel fundamental. A repressão contra as formas de articulação e iniciativas acima do nível de Escola era particularmente forte. Uma importante causa próxima da «crise académica de 1962» residiu na proibição e repressão do I Encontro Nacional de Estudantes marcado para 9-11 de Março em Coimbra, que apesar de tudo se realizou.
Pelo contrário, sempre que se verificou:
– subestimação dos problemas dos estudantes e da luta por objectivos concretos e imediatos;
– métodos anti-democráticos, vanguardistas e de pseudo-politização das AA.EE.; confusão dos planos legal, semi-legal e ilegal de actuação;
– subestimação (ou sabotagem) do trabalho de articulação nacional (como fizeram os verbalistas esquerdistas quando momentaneamente predominaram em Lisboa), o M.A. tornou-se vulnerável à repressão e enfraqueceu a sua unidade, a sua base de massas, a sua projecção política nacional.
Com a Revolução de Abril e a conquista da liberdade, a situação do M.A. mudou radicalmente.
Mas em tudo isto há ensinamentos que continuam válidos pois têm que ver com a natureza unitária e de massas que o M.A., para ser realmente representativo, não pode deixar de ter.
Na ofensiva em curso de revisão e reescrita da História do nosso país, também no que respeita ao Movimento Estudantil se pretende deformar e diminuir o papel do PCP e dos estudantes comunistas
Importa por isso repor a verdade. O papel dos comunistas, mesmo tendo em conta as vicissitudes ligadas com a repressão, foi sempre determinante.
É certo que a violenta repressão contra os comunistas e a grande vaga de prisões de 1965 desferiram um golpe duríssimo na organização estudantil do PCP em Lisboa, precisamente onde ela era mais poderosa. E que isso deixou campo aberto ao desenvolvimento de grupos esquerdistas, maoístas e verbalistas que se apoderaram da direcção de algumas AA.EE., instrumentalizando-as para os seus objectivos sectários. Isso traduziu-se, não no reforço, mas no enfraquecimento do M.A. e da sua contribuição para o movimento popular. É, aliás, curioso ver onde se encontra hoje a maioria daqueles «revolucionários de palavra», que encontravam tanta mais tolerância do fascismo quanto mais se destacassem nos seus ataques ao PCP. Mas os esquerdistas desacreditaram-se rapidamente junto das grandes massas e, ainda bem, antes do 25 de Abril as posições dos comunistas no movimento associativo de Lisboa eram determinantes.
O papel do PCP foi fundamental para ligar a luta dos estudantes à luta geral do povo português, para o que contribuiu decisivamente a sua capacidade para tomar decisões organizativas em correspondência com a evolução da luta e as novas situações criadas. Nos anos sessenta tratou-se principalmente de, no quadro da orientação ideológica e política do Partido, animar a iniciativa e a autonomia dos estudantes comunistas, primeiro através da criação das Organizações Estudantis de Lisboa, Porto e Coimbra, e depois, a partir de Janeiro de 1972, da UEC - União dos Estudantes Comunistas.
O papel dos estudantes comunistas na «crise académica de 1962» e no movimento associativo e estudantil em geral foi da maior importância para garantir o seu carácter unitário, democrático e de massas e para assegurar a articulação com o movimento popular e antifascista. Seria erro grave não reconhecer o papel generoso de muitos activistas sem alinhamento ideológico definido, ou a contribuição de sectores católicos que, na própria JUC, combatiam a nefasta influência da hierarquia católica alinhada com o fascismo. Mas não por acaso foi sobre os comunistas que recaiu o grosso da repressão fascista.
Há, pois, que rejeitar com a maior veemência tentativas de revisão da História que, diminuindo e deformando o papel determinante da classe operária e do seu Partido na luta libertadora do povo português, tentam também ocultar o papel dos estudantes comunistas e instrumentalizar a memória de grandes lutas estudantis para fins contraditórios com a generosidade, a coragem e o conteúdo de esquerda e revolucionário que as caracterizou.
*
Sobre as grandes jornadas do «24 de Março» passaram já 60 anos, muito tempo em tempos de acelerados e contraditórios desenvolvimentos.
Mas quem hoje quiser situar-se na mesma grande corrente de valores e ideais que uniram os lutadores da «crise académica de 1962» tem necessariamente de situar-se no campo da defesa da Constituição de Abril, no campo da luta contra as políticas que arrastaram o país para a grave situação de estagnação económica e regressão social em que hoje se encontra, no campo da defesa da Escola Pública e as tentativas para instrumentalizar totalmente o ensino ao serviço do capital e, em particular, no campo do combate às tentativas de branqueamento do fascismo e da reabilitação do ditador e dos expoentes da ditadura.
Só indo por aqui será legítimo a alguém reclamar-se com razão dos valores de liberdade e progresso social e do espírito profundamente unitário antifascista que tornaram as grandes lutas de 1962 um importante marco da resistência antifascista e o 24 de Março uma data histórica que é importante assinalar.