Organização, Edição Nº 380 - Set/Out 2022
Tudo e todos para as massas
por Paulo Raimundo
Na resolução aprovada pelo Comité Central do PCP de 5 e 6 de Junho é sublinhada «a necessidade de o Partido e cada uma das suas organizações desenvolverem uma iniciativa audaciosa e atenta à realidade e aos problemas, tendo em vista o desenvolvimento da luta dos trabalhadores, das populações, de várias camadas e sectores sociais, no reforço das organizações unitárias de massas, no trabalho político e nas acções unitárias aos vários níveis». Podemos afirmar que não há nada de novo nesta orientação, esta é uma prática do Partido ao longo da sua existência, mas neste momento coloca-se como tarefa essencial levá-la por diante.
Um partido com as suas organizações ligadas à realidade em que se inserem, aos problemas dos trabalhadores e das populações, e a intervir para a luta em torno desses mesmos problemas e para a mobilização dos principais interessados na sua resolução.
É isto que se coloca a cada organização de base do Partido. Não se trata de diluir as organizações ou estruturas do Partido na dinâmica unitária, mas sim a tarefa de, em função da realidade concreta em que se inserem, afirmar o Partido como o instrumento fundamental de luta e de acção. Instrumento de acção ao qual se exige a identificação das respostas necessárias e dos caminhos a seguir e, simultaneamente, destacar militantes para dinamizar esse processo de luta, envolvendo naturalmente muitos outros que não são do Partido e que estão disponíveis para assumir esse mesmo processo de luta.
É verdade que existem dificuldades que urge superar, organizações fechadas em si mesmas, sem capacidade de analisar o meio onde se inserem e identificar os problemas que se colocam. Exemplos de organizações que, por muito que pareçam ou se apresentem «afinadas», na realidade não cumprem o papel que o Partido lhes atribui e que tanta falta faz ao povo e aos trabalhadores. Situações que revelam reais dificuldades de organizações enconchadas e sem capacidade de acção, de intervir no meio onde se inserem, e pior, muitas vezes sem motivação para levar por diante esse papel fundamental que devem ter de intervenção. Reduzida militância, poucos quadros disponíveis para o conjunto das tarefas a que o Partido tem de dar resposta, organizações sem perspectiva e sem confiança na superação das dificuldades que são reais, uma certa ideia de incapacidade de enfrentar os problemas e também por vezes uma falta de confiança, não no Partido mas sim nas massas, onde transparece e está muitas vezes presente a ideia de que «ninguém quer saber de nada», ou «este povo não nos merece», constituem, entre outras, razões objectivas às quais se deve responder com medidas concretas para a sua superação.
Mas a realidade colectiva do Partido é a de uma dedicação extraordinária dos seus militantes e de um esforço intenso para superar dificuldades, uma corajosa determinação na defesa, resistência e afirmação do Partido. Uma determinação e empenho sempre visíveis, mas que assumiram particular destaque neste período em que foram desferidos contra o Partido ataques como há muito não se verificavam, assegurando ainda assim não apenas o funcionamento da organização mas também a intervenção do Partido, designadamente no plano da iniciativa política, do esclarecimento das massas, da dinamização da luta, tudo isto em condições de enorme desproporção de meios e de recursos face ao capital.
Este é um património extraordinário de todo o colectivo partidário que não pode estar desligado das decisões e opções próprias, mas também do quadro mais geral – nacional e internacional – onde intervimos.
Há problemas e dificuldades? Muitas certamente, mas essas mesmas dificuldades, não diminuindo insuficiências que existem, não podem menosprezar nem subestimar a força do inimigo. A realidade que enfrentamos traz à luz do dia a afirmação inscrita em sucessivos Congressos quanto à necessidade do Partido estar pronto para responder e intervir em quaisquer circunstâncias.
A classe dominante, perante a sua ofensiva, queria que o Partido tivesse vergado e abdicado dos seus princípios e objectivos, se submetesse à sua agenda, linguagem e interesses de classe. Tiveram a resposta que se se impunha, o Partido agiu e age de acordo com o seu compromisso de sempre com os trabalhadores e o povo, falando a verdade – sobre a epidemia, sobre as opções do PS, sobre a guerra e as sanções –, mesmo sendo alvo de campanhas ignóbeis, de deturpação, chantagem e tentativas de condicionamento, resiste e lança-se numa intervenção corajosa e decisiva para o presente e o futuro do país.
É perante estes ataques, os problemas concretos do país, a resposta aos anseios e aspirações dos trabalhadores e do povo, que se deve centrar a acção do Partido.
Ligar ainda mais o Partido à vida, ao concreto e à luta dos trabalhadores e do povo. Esta é a tarefa que se coloca ao Partido e que tem tanto de exigente como de estruturante.
A nossa longa história de luta construiu ensinamentos e teses das quais não podemos abdicar e que devem estar bem presentes na nossa acção diária.
As massas organizam-se e mobilizam-se em torno das questões concretas que as afectam. É essa visualização imediata dos problemas (que muitas vezes parecem, para muitos, coisas pequenas, mas que, para quem é afectado, é a questão central a resolver) e a possibilidade da sua resolução que as despertam, lhes dá confiança e experiência para objectivos de luta mais avançados. Talvez seja exigente mobilizar os trabalhadores pela reivindicação da política patriótica e de esquerda, mas será certamente mais fácil e acertado mobilizá-los pelo aumento de salários e pela sua própria valorização – componentes centrais dessa mesma política patriótica e de esquerda.
É na luta de massas que o Partido vai buscar forças e reforça a sua organização e, em resultado disso, fica mais forte e mais forte estará em melhores condições para organizar e mobilizar as massas. É na acção de massas que se libertam forças e energias que dão mais força à luta. Ai se destacam combatentes, ai se revelam características e disponibilidades, aí se revelam capacidades e vontades e é aí que o Partido terá de continuar a ir buscar os activistas, os novos militantes e os futuros quadros e empenhar todas essas características para a intervenção organizada na luta de massas, sempre empenhado no reforço da sua ligação às massas e na organização da sua luta.
Há hoje (como houve em outros momentos da nossa história) forças, muitas vezes diversas, e eventualmente contraditórias, disponíveis para levar por diante os processos de luta. Por vezes manifestam-se alterações muito rápidas e acentuadas no estado de espírito e na disponibilidades das massas para a sua movimentação. Elementos vistos como contraditórios de repente ganham dimensão e dinâmicas inesperadas, envolvendo camadas e sectores diversos susceptíveis de rapidamente engrossarem a luta de massas e de um momento para o outro a abandonarem porque esta aparentemente não se traduz em resultados imediatos. Os altos e baixos na disposição de luta de certas camadas sociais é uma realidade que não afecta a nossa confiança no papel decisivo das massas no processo de transformação social.
O PCP é o partido que não falha em nenhum momento aos trabalhadores e ao povo, é o seu grande instrumento político de luta e insubstituível factor de esperança. Este é o nosso papel, é isto que os trabalhadores e o povo esperam de nós, é isto que as classes dominantes receiam e daí os brutais ataques de que somos alvo.
A realidade da vida e das opções políticas e das suas consequências, impõe-se e os problemas estão aí e cada vez mais evidentes. Aumento do custo de vida, dos bens alimentares e da energia; fragilização dos serviços públicos, assalto dos grupos privados ao Serviço Nacional de Saúde, desvalorização da Escola Pública; negação do direito à habitação, com o crescimento galopante dos seus custos; a situação que atravessam as micro, pequenas e médias empresas; o aumento da exploração, com o ataque aos salários, horários e direitos, a que acresce a falta de acesso a creches; problemas locais, muitos e diversos; problemas, questões de sectores específicos, os problemas da juventude, dos sectores da cultura, dos agricultores, a luta pela paz. Tudo isto em contraste com os milhões e milhões de lucros de uns poucos que se aproveitam da desgraça de muitos. Foi já assim com a epidemia e é agora, em particular, com as sanções a propósito da guerra.
É a partir do papel que temos (e do qual o nosso inimigo de classe desejaria que abdicássemos) e da realidade concreta (que não é a que necessariamente se expressa a partir da bolha mediática e nas redes sócias) vivida por milhões de trabalhadores e pelo povo que temos de intensificar a nossa intervenção. Uma intervenção desde logo a partir da sua acção própria, mas, não menos importante, na criação de espaços de unidade com outros e no fortalecimento dos espaços unitários existentes.
Esta é a tarefa de todo o Partido. Qual o papel que as comissões de freguesia, concelhias ou outras organizações e organismos específicos estão a ter, ou vão ter, neste processo? É uma pergunta em que será necessariamente pela prática que teremos de encontrar as respostas, em cada passo de reforço do Partido.
A realidade é a que é, e é sobre ela que temos de intervir com os nossos objectivos ao serviço dos trabalhadores, do povo e do país e combatendo aqueles que os atacam.
Há muitas lutas em curso, acções contra o aumento do custo de vida, dos utentes dos transportes e da saúde, a luta dos estudantes e dos agricultores, mas o que determina, o que marca o ritmo e a cadência da luta mais geral é a luta da classe operária e dos trabalhadores.
Há, e muitas, questões concretas ao nível de cada sector e empresa, tal como se tem demonstrado com a luta travada ao longo dos últimos meses promovida pela CGTP-IN, pelo movimento sindical unitário, com a sua natureza de classe, e que, após a grande jornada do passado dia 27 de Maio com a concentração frente a Assembleia da República, se lançou para os sectores e empresas num processo de acção, intervenção e luta que teve no passado dia 7 de Julho, sob um calor abrasador, uma extraordinária resposta numa grandiosa manifestação que encheu as ruas de Lisboa. Uma jornada que fica ainda marcada por um conjunto significativo de acções de luta nas empresas e locais de trabalho que não tendo expressão na manifestação nacional o teve às portas dessas mesmas empresas e locais de trabalho, demonstrando uma disponibilidade para a luta como há muito não se verificava. Uma disponibilidade que não é alheia à realidade de que hoje é transversal em todos os locais de trabalho e em todas as empresas e para todos os trabalhadores a necessidade do aumento dos salários. Esta é, também em função da actual situação, a questão central que preocupa a maioria dos trabalhadores, logo elemento fundamental de mobilização dos mesmos a partir dos seus locais de trabalho e empresas.
Tudo e todos para as massas, mobilizar outros e elevar a ofensiva contra quem nos rouba direitos, salários, o presente e o futuro.
Enquanto os nossos inimigos nos atacam o nosso papel é dar a resposta que eles mais temem: organizar a luta de massas em torno dos direitos e aspirações dos trabalhadores e do povo. Não podemos perder o foco: afirmar as organizações e militantes do Partido nas mais diversas áreas e frentes de combate, como instrumentos de esclarecimento, de organização, de agitação e mobilização de outros em torno de problemas concretos. É este o nosso foco, é para isto que temos de continuar a trabalhar.
Enquanto caricaturam as nossas posições, o nosso papel é elevar a luta nas empresas e locais de trabalho, mobilizar os utentes em defesa do direito à saúde, organizar as pessoas para a luta contra o aumento do custo de vida.
Enquanto nos discriminam, o nosso papel é afirmar a alternativa necessária e cada vez mais urgente.
Enquanto apostam tudo no nosso silenciamento, o nosso papel é tudo fazer para reforçar o Partido, ligá-lo ainda mais à vida, em condições de tomar a iniciativa, organizar e mobilizar os trabalhadores e as populações.
Enquanto nos empurram para baixo, a nossa tarefa é a de, não menosprezando as dificuldades, passar à ofensiva.
Quem nos acompanha em determinado objectivo e com quem contamos? Quais os passos a dar em função de cada realidade? Que forças temos para esta enorme tarefa?
Para todas estas perguntas temos as respostas nas conclusões do XXI Congresso, nas resoluções do Comité Central, nas medidas concretas de reforço do Partido. O desafio é, no meio desta grande ofensiva, concretizar com confiança e ao nível de cada organização essas mesmas conclusões e medidas. Este é o papel do Partido, esta é a base em que, nas mais variadas e difíceis situações o Partido, concretizando o seu compromisso com os trabalhadores e o povo, se fortaleceu e avançou reforçando a força dos trabalhadores e das massas populares, resistindo e abrindo caminho em avanços concretos e no processo de transformação da sociedade que, hoje como ontem, se impõe como luta actual e perspectiva futura.