Ambiente, Edição Nº 305 - Mar/Abr 2010
Sobre os escombros de Copenhaga
por João Ferreira
A implementação da CQNUAC e a concretização dos seus objectivos foi motivo para a realização de sucessivas Conferências das Partes (também chamadas COP). Foi numa dessas COP, a COP3 (assim chamada por ter sido a terceira realizada), que em 1997 se adoptou o Protocolo de Quioto, subscrito por 84 países. Os EUA, na altura o maior emissor mundial de GEE (Gases do Efeito Estufa), responsáveis por um quinto das emissões mundiais, ficaram de fora.
De então para cá, aumentou o número de signatários de Quioto e várias COP foram tendo lugar em diversas cidades do mundo. Copenhaga foi a COP15. Nela estiveram representados 193 países, 189 dos quais signatários do Protocolo de Quioto (2), cuja vigência termina em 2012. Na COP15 procurava-se algo que o substituísse a partir dessa altura.
Do muito que sobre Copenhaga foi escrito e dito, do que lá efectivamente se passou, do que a antecedeu e do que se lhe seguirá, emergem com relativa clareza aspectos sobre os quais valerá a pena determo-nos numa reflexão que importará aprofundar.
Alguns dados do problema
O clima da Terra constitui, a par de outros, um factor crítico para a existência de vida neste planeta, tal como a conhecemos. Esta assume uma multiplicidade de formas e assenta num conjunto de equilíbrios dinâmicos. O tipo de relação que o homem veio estabelecendo com a natureza, no quadro da formação económica e social dominante – o capitalismo, vem ameaçando, por vezes mesmo destruindo, alguns desses equilíbrios.
O clima planetário depende de variados factores e processos, no essencial conhecidos, sendo um desses factores a composição da atmosfera. Esta tem sofrido alterações ao longo das décadas, com elevação da concentração de gases como o dióxido de carbono e o metano, entre outros. Estes gases – chamados GEE – existem naturalmente na composição da atmosfera e são mesmo fundamentais à manutenção da temperatura à superfície da Terra a níveis compatíveis com as formas de vida que conhecemos. Todavia, a referida elevação da concentração dos GEE e em especial do dióxido de carbono – atribuível à acção humana – é agora apontada como causa próxima de alterações climáticas em curso.
No entanto, sendo diversos, como atrás referido, os factores que reconhecidamente influenciam o clima, a contribuição relativa deste último (elevação da concentração dos GEE na atmosfera) foi e é objecto de discussão entre a comunidade científica.
A grande complexidade dos sistemas climáticos torna-os difíceis de modelar (3), associando aos cenários prospectivos traçados níveis consideráveis de incerteza. É sobre esta incerteza, se necessário iludindo-a ou ocultando-a, que se desenham motivações políticas e económicas bem diversas do proclamado objectivo de salvar o planeta e o seu clima. Mas tal não significa que estes cenários devam ser ignorados ou desvalorizados à partida, bem pelo contrário. É sabido que outras vezes, a incerteza foi e é também utilizada como pretexto para a inacção. Em qualquer dos casos, as motivações subjacentes serão idênticas, ainda que a táctica utilizada seja diversa.
O que há a fazer é separar o trigo do joio, ou seja, os dados científicos (mesmo que lacunares, insuficientes, contraditórios e, naturalmente, discutíveis) dos objectivos que alguns procuram viabilizar a partir deles, instrumentalizando-os.
Alguns dos cenários traçados incluem impactos ambientais significativos, como a extinção de várias formas de vida ou o aumento de fenómenos climáticos extremos, bem como impactos económicos e sociais relevantes, incluindo migrações forçadas, desertificação, aumento da intensidade e frequência de catástrofes, entre outros.(4)
Estes cenários, preocupantes mesmo se incertos, devem justificar a precaução e a acção. Tanto mais quanto é inegável a existência de uma interferência humana considerável no ciclo do carbono (que influencia o clima), aumentando as fontes – em resultado, fundamentalmente, da queima de combustíveis fósseis para satisfação de necessidades energéticas – e diminuindo os sumidouros naturais – em resultado da degradação e destruição de ecossistemas, de habitats naturais e semi-naturais e da degradação dos solos.
Mais uma vez, importa realçar que esta interferência se dá em resultado da relação que o homem estabelece com a natureza no quadro da formação económica e social dominante – o capitalismo. Importa também questionar em benefício de quem e para prejuízo de quem se dão os consumos e as degradações assinaladas.
Este constitui um dado fundamental da intensa luta ideológica que crescentemente perpassa pelos problemas ambientais com que a humanidade se debate.
Reduzir as emissões de GEE
A dimensão do fracasso de Copenhaga mede-se pela nulidade dos resultados alcançados relativamente aos principais objectivos estabelecidos à partida para a conferência. Um desses objectivos consistia em alcançar compromissos quantificados de redução da emissão de GEE. Definir um esforço global de redução e concretizar a responsabilidade de cada país nesse esforço global, no quadro do proclamado princípio de uma «responsabilidade comum, mas diferenciada». De acordo com este princípio, se é certo que a preservação da atmosfera terrestre não pode ser senão uma responsabilidade partilhada pelos diversos países, é também claro que a influência que cada um desses países foi exercendo sobre esta atmosfera ao longo da história – e a que ainda hoje exerce – é muito diferente, o que determina que essa responsabilidade, por razões de elementar justiça, tenha de ser «diferenciada».
Nos últimos anos, países como a China e a Índia registaram elevadas taxas de crescimento do consumo energético, que acompanharam o crescimento acentuado das respectivas economias. A esta evolução associa-se uma melhoria significativa das condições de vida de milhões de seres humanos, arrancados à miséria e pobreza extrema. Mas, inevitavelmente, tratando-se de países com bases populacionais muito extensas (mais de um terço da população mundial, no seu conjunto), e tendo em conta a dependência geral face aos combustíveis fósseis como fonte primária de energia, tal evolução representou igualmente um incremento assinalável dos níveis de emissões de GEE para a atmosfera.
Nos últimos anos, a China terá igualado e mesmo ultrapassado os EUA como maior emissor de GEE (5), em termos absolutos. Todavia, se tivermos em conta as respectivas bases populacionais, persiste uma significativa disparidade no que respeita às emissões per capita de um e de outro país. Em termos históricos, a desigualdade é ainda maior, sendo a contribuição da China, como a da Índia, para a elevação da concentração de dióxido de carbono na atmosfera terrestre relativamente insignificante(6).
Trata-se de um facto frequentemente ocultado pela propaganda que enforma a abordagem capitalista a esta problemática, mas que importa ter presente. O quadro mostra as emissões, per capita, resultantes da queima de combustíveis fósseis, de alguns países.
Emissões per capita em toneladas de dióxido de carbono equivalente/ano (dados de 2006)